Na espiritualidade popular brasileira, poucas figuras são tão queridas, reverenciadas e cercadas de ternura quanto Cosme e Damião. Seus nomes ecoam em lares, terreiros, igrejas e corações, especialmente no mês de setembro, quando milhões de pessoas se preparam para celebrar sua festa no dia 27 de setembro. Mas há um terceiro nome, menos conhecido, porém profundamente entrelaçado à sua história: Doum. Juntos, formam uma tríade de luz, cura e inocência espiritual que atravessa séculos, continentes e tradições religiosas.
Aqui, vamos tentar mergulhar na ancestralidade, nos feitos, nos símbolos e nas múltiplas dimensões espirituais desses três seres luminosos, explorando não apenas sua origem cristã, mas também como foram acolhidos, reinterpretados e amados nas religiões afro-brasileiras, no espiritismo kardecista e na devoção popular sincrética que caracteriza a alma mística do Brasil.
A Origem Histórica: Médicos Sem Dinheiro no Império Romano
Cosme e Damião nasceram no século III d.C., provavelmente por volta do ano 260, na região da Cilícia, no leste do Império Romano — território que hoje corresponde à Turquia. Eram irmãos gêmeos, filhos de uma devota cristã chamada Teodora, viúva que os criou com profunda fé em Cristo. Desde cedo, receberam educação esmerada, estudando medicina na Síria ou no Egito, centros de conhecimento avançado na época.
O que os distinguia dos demais médicos da Antiguidade era seu voto de pobreza e caridade. Eles curavam os doentes sem aceitar pagamento algum, guiados pelo ensinamento de Jesus: “De graça recebestes, de graça dai” (Mateus 10:8). Por isso, foram chamados de “anárgyros” — termo grego que significa “inimigos do dinheiro” ou “sem prata” ou “aquele que não recebe prata”. Sua prática médica era, antes de tudo, um ato de amor e serviço divino.
Além de tratar doenças físicas, usavam suas consultas como oportunidade para evangelizar. Muitos pagãos, impressionados com a eficácia de suas curas e com a humildade de seus gestos, convertiam-se ao cristianismo. Isso, naturalmente, atraiu a ira das autoridades romanas, que viam o crescimento do cristianismo como uma ameaça à ordem imperial.
Durante a perseguição desencadeada pelo imperador Diocleciano (284–305 d.C.), Cosme e Damião foram presos, torturados e, por fim, decapitados por se recusarem a renegar sua fé. Segundo a tradição, morreram com coragem, orando por seus algozes. Seu martírio ocorreu por volta do ano 303 d.C., na cidade de Cirro, na Síria.
Doum: O Terceiro Irmão Esquecido pela História Oficial
Embora a Igreja Católica tradicionalmente reconheça apenas Cosme e Damião, há registros antigos — especialmente em manuscritos orientais e tradições populares do Oriente Médio — que mencionam um terceiro irmão, chamado Doum (também grafado como Dome, Dom ou Dum).
Doum teria sido irmão mais novo dos gêmeos, também médico e seguidor de Cristo. Alguns relatos afirmam que ele foi martirizado junto com os irmãos; outros sugerem que sobreviveu por mais tempo, continuando o trabalho de cura e evangelização. Em certas versões, Doum é descrito como uma criança, o que reforça sua associação com a inocência e a pureza espiritual.
A figura de Doum foi quase apagada da narrativa oficial da Igreja Ocidental, mas sobreviveu na memória oral, especialmente nas comunidades afro-brasileiras e espiritualistas. No Brasil, Doum é frequentemente invocado como o terceiro santo criança, completando a tríade sagrada dos protetores infantis. Sua presença traz equilíbrio, ternura e uma energia ainda mais suave à devoção.
Canonização e Culto na Igreja Católica
Cosme e Damião foram canonizados como santos pela Igreja Católica logo após sua morte, tornando-se dois dos primeiros mártires a receber culto público. Seu prestígio cresceu rapidamente: no século V, o papa Félix IV dedicou uma basílica em sua honra no Fórum Romano — a Basílica dos Santos Cosme e Damião, que ainda existe hoje, com mosaicos impressionantes do século VI.
São considerados padroeiros dos médicos, cirurgiões, farmacêuticos, barbeiros-cirurgiões (profissão comum na Idade Média) e, por extensão, de todos os profissionais da saúde. Sua intercessão é buscada em casos de doenças graves, especialmente quando os recursos humanos parecem esgotados.
Curiosamente, a Igreja Católica nunca canonizou Doum oficialmente, mas isso não impediu que sua devoção florescesse em contextos populares. Para muitos fiéis, Doum é tão real e sagrado quanto seus irmãos — uma prova de que a espiritualidade popular muitas vezes caminha além dos limites institucionais.
Sincretismo Religioso: Os Ibejis nas Religiões Afro-Brasileiras
Quando os povos africanos foram trazidos à força para o Brasil durante a escravidão, trouxeram consigo suas crenças, orixás e entidades espirituais. Entre elas, os Ibejis — divindades gêmeas da cultura iorubá, filhos de Xangô e Oxum, ou, em outras versões, de Iansã.
Os Ibejis representam a dualidade harmoniosa, a alegria infantil, a proteção contra males espirituais e a capacidade de curar com o riso e a inocência. São espíritos brincalhões, mas extremamente poderosos, capazes de interceder por crianças doentes, proteger grávidas e trazer sorte aos lares.
Diante da proibição de cultuar seus orixás, os escravos encontraram nos santos católicos uma forma de disfarçar sua fé. Assim, os Ibejis foram sincretizados com Cosme e Damião — e, em muitos terreiros, com Doum também. Essa fusão não foi meramente estratégica; foi espiritualmente autêntica, pois ambas as tradições reverenciam a cura altruísta, a pureza da alma e a força da infância como canal divino.
Na Umbanda, Cosme, Damião e Doum são vistos como espíritos de luz que atuam na linha das crianças — uma falange composta por entidades infantis que trabalham com alegria, simplicidade e grande poder curativo. Eles não julgam, não condenam; apenas acolhem, curam e protegem.
Doum na Umbanda e no Candomblé: O Terceiro Erê
Na Umbanda, a tríade Cosme, Damião e Doum é frequentemente chamada de “os três meninos” ou “os três erês”. O termo “erê” vem do iorubá e designa uma criança divina, um espírito infantil de grande sabedoria disfarçada em brincadeira.
Doum, nesse contexto, é o equilíbrio entre os dois gêmeos. Enquanto Cosme é associado à razão, à medicina racional, e Damião à intuição, à cura espiritual, Doum representa a harmonia, a união e a energia da infância plena. Alguns médiuns descrevem Doum como o mais quieto dos três, mas também o mais sensível — aquele que sente a dor dos outros antes mesmo que ela seja expressa.
Em muitos terreiros, especialmente no Nordeste do Brasil, é comum ver três bonecos ou estatuetas, vestidos com roupas coloridas — vermelho, azul e branco — representando os três santos. As cores simbolizam:
• Vermelho: força, vitalidade, ligação com Xangô (Damião);
• Azul: serenidade, intuição, ligação com Oxum (Cosme);
• Branco: pureza, paz, equilíbrio (Doum).
Oferecer doces, frutas, brinquedos e roupas novas a essas imagens é uma forma de honrar sua energia e pedir proteção, especialmente para crianças, gestantes e famílias em crise.
A Festa de 27 de Setembro: Um Dia de Graça e Alegria
A data de 27 de setembro marca o dia litúrgico de Cosme e Damião na Igreja Católica. No Brasil, essa data se transformou em uma das maiores celebrações religiosas populares, superando até mesmo o número de devotos de alguns santos padroeiros nacionais.
Nas igrejas católicas, missas são celebradas com presença maciça de crianças, muitas vestidas de branco ou com roupas coloridas em homenagem aos santos. É comum que os padres abençoem doces, brinquedos e alimentos que serão distribuídos após a celebração.
Já nos terreiros de Umbanda e Candomblé, o dia é marcado por giras especiais, onde os erês incorporam médiuns, brincam, dançam, dão conselhos simples e curam com gestos aparentemente ingênuos — como soprar no ouvido de alguém ou oferecer um pirulito. Essas “brincadeiras” carregam profundo simbolismo energético e muitas vezes resultam em curas inexplicáveis pela medicina convencional.
A distribuição de doces é uma tradição central. Acredita-se que, ao oferecer algo doce a uma criança em nome de Cosme, Damião e Doum, o devoto atrai doçura para sua própria vida. Por isso, é comum ver filas de crianças recebendo balas, pirulitos, brigadeiros, pipoca doce, amendoim, milho cozido e até refeições completas em comunidades carentes.
Importante ressaltar: nunca se oferece salgados ou alimentos amargos nesse dia. Tudo deve ser doce, leve e colorido, refletindo a energia infantil e alegre dos santos.
Orações e Invocações
A devoção a Cosme, Damião e Doum é marcada por orações simples, acessíveis até às crianças. Uma das mais conhecidas é:
“São Cosme e São Damião,
Protetores das crianças,
Dai-me a graça que vos peço
(fazer o pedido).
Prometo, em troca,
Oferecer doces às crianças carentes
Em vosso nome sagrado.
Assim seja!”
Já na Umbanda, os pontos cantados para os erês são cheios de ternura e musicalidade. Um exemplo clássico:
“Cosme e Damião, Doum, meus senhores,
Vêm brincar no meu terreiro.
Com seu doce e seu sorriso,
Me enchem de luz e de riso!”
Muitos devotos também acendem velas coloridas:
• Vermelha para Damião (força, coragem);
• Azul-clara para Cosme (serenidade, cura);
• Branca para Doum (paz, pureza).
As velas são acesas em locais limpos, com água, flores e doces, e deixadas queimando por sete dias, renovando-se a intenção diariamente.
Curiosidades e Lendas Populares
Existem inúmeras lendas envolvendo Cosme, Damião e Doum. Uma das mais famosas, conta que, certa vez, um homem rico recusou-se a ajudar uma criança doente. Naquela noite, os três santos apareceram em sonho a ele, chorando. Ao acordar, o homem descobriu que seu próprio filho havia adoecido gravemente. Arrependido, saiu distribuindo doces e remédios pelas ruas. Seu filho sarou milagrosamente.
Outra lenda diz que Doum é o guardião dos sonhos das crianças. Quando uma criança tem pesadelos, basta colocar uma imagem dos três santos sob o travesseiro que Doum virá afastar os maus espíritos com seu riso suave.
Há também relatos de curas milagrosas atribuídas a eles. Em Juazeiro do Norte (CE), por exemplo, é comum ouvir testemunhos de mães que prometeram uma festa aos santos caso seus filhos se curassem de doenças graves — e viram seus pedidos atendidos.
Curiosamente, em algumas regiões do Brasil, não se come carne vermelha no dia 27 de setembro. Acredita-se que isso desagrada os santos crianças, que preferem alimentos leves e vegetarianos.
Cosme, Damião e Doum no Espiritismo Kardecista
Embora o espiritismo kardecista não cultue santos no sentido tradicional, reconhece espíritos elevados que atuam como guias e protetores da humanidade. Nessa perspectiva, Cosme, Damião e Doum são vistos como espíritos de alta vibração, que escolheram reencarnar como médicos para servir à humanidade e, após o desencarne, continuaram sua missão no plano espiritual.
Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, destaca que “os verdadeiros cristãos são aqueles que praticam a caridade sem ostentação” — exatamente o que fizeram os santos gêmeos. Por isso, muitos centros espíritas, especialmente os de linha mais popular ou umbandizada, homenageiam os três meninos com palestras, passes e distribuição de alimentos no dia 27 de setembro.
Alguns médiuns espíritas relatam que, em reuniões de desobsessão, crianças espirituais (espíritos de crianças desencarnadas precocemente) frequentemente vêm auxiliar no trabalho, trazendo leveza e dissipando energias densas. Muitos associam essas entidades justamente à falange de Cosme, Damião e Doum.
A Energia das Crianças como Força Espiritual
Um dos ensinamentos mais profundos trazidos por Cosme, Damião e Doum é que a infância não é apenas uma fase da vida, mas um estado espiritual. A pureza, a espontaneidade, a capacidade de perdoar e a fé incondicional são qualidades divinas que os adultos muitas vezes perdem ao longo da vida.
Por isso, a devoção a esses santos é também um convite à reconexão com a criança interior. Ao acender uma vela para eles, não estamos apenas pedindo proteção para os filhos, mas também curando nossas próprias feridas emocionais, resgatando a alegria perdida, a esperança e a capacidade de confiar na vida.
Muitos terapeutas espirituais afirmam que trabalhar com a energia dos erês é uma das formas mais eficazes de limpar bloqueios emocionais relacionados à infância — traumas, abusos, abandono, rejeição. Cosme, Damião e Doum vêm como curadores da alma, não apenas do corpo.
Como Honrar Cosme, Damião e Doum no Cotidiano
Honrar esses santos não exige rituais complexos. Basta abrir o coração com simplicidade. Algumas práticas simples incluem:
• Oferecer doces a crianças carentes, especialmente no dia 27 de setembro;
• Manter um cantinho de oração com três imagens ou símbolos (podem ser bonecos, velas ou até desenhos feitos por crianças);
• Evitar falar mal de crianças ou permitir que sofram injustiças — agir em defesa dos pequenos é uma forma direta de seguir o exemplo dos santos;
• Praticar a caridade silenciosa, sem esperar reconhecimento, como fizeram os irmãos médicos;
• Cantar ou ouvir pontos de erê para elevar a vibração do lar.
Lembre-se: eles não gostam de tristeza, rigidez ou hipocrisia. Preferem lares onde há riso, música, afeto e respeito pela vida.
A Mensagem Eterna dos Três Meninos
Mais do que santos, mártires ou entidades, Cosme, Damião e Doum são mensageiros do amor incondicional. Sua história nos lembra que a verdadeira cura nasce da compaixão, que a riqueza está no dar, não no ter, e que a maior força espiritual muitas vezes se esconde na aparente fragilidade de uma criança.
Em um mundo cada vez mais ácido, competitivo e desencantado, a devoção a esses três seres luminosos é um antídoto contra o cinismo. Eles nos convidam a acreditar no milagre do cotidiano, a sorrir mesmo diante da dor, e a nunca perder a capacidade de cuidar do próximo com ternura.
Que Cosme, com sua sabedoria serena; Damião, com sua coragem vibrante; e Doum, com seu equilíbrio silencioso, continuem a caminhar ao nosso lado — curando corpos, almas e corações.
Oferendas Tradicionais e Seus Significados
Para quem deseja montar uma oferenda digna e simbólica, aqui está um guia prático:
Doces (sempre sem álcool ou ingredientes proibidos):
• Brigadeiro: representa a doçura da vida;
• Cocada branca: pureza e proteção espiritual;
• Pipoca doce: expansão da consciência e alegria simples;
• Balas coloridas: diversidade, energia e vitalidade;
• Romeu e Julieta (goiabada com queijo): união e equilíbrio (doce e salgado suave).
Frutas:
• Banana: fertilidade e nutrição;
• Maçã: paz e harmonia;
• Uva: abundância e bênçãos divinas.
Outros elementos:
• Água de coco: pureza e renovação;
• Brinquedos simples (bola, carrinho, boneca de pano): conexão com a infância;
• Flores brancas ou coloridas: vibração elevada e beleza espiritual.
A oferenda deve ser deixada por 7 dias, renovando-se a água e as flores diariamente. Após esse período, os alimentos podem ser distribuídos a crianças ou depositados em local limpo na natureza (nunca jogados no lixo comum).
Uma Devoção que Transforma
A devoção a Cosme, Damião e Doum não é superstição. É espiritualidade viva, pulsante, feita de gestos concretos de amor. É uma ponte entre o céu e a terra, entre o sagrado e o cotidiano, entre o adulto cansado e a criança que ainda sonha.
Honrá-los é comprometer-se com um mundo mais justo, mais doce, mais humano. É lembrar que, mesmo nos tempos mais sombrios, a luz da inocência nunca se apaga — basta saber onde procurar.
Com qual idade eles partiram deste Plano
A idade exata com que Cosme e Damião morreram não é conhecida com certeza, pois os registros históricos da época são escassos e misturam fatos com tradições religiosas. No entanto, com base nas fontes antigas e na tradição cristã, acredita-se que eles tenham sido martirizados ainda jovens, provavelmente entre os 20 e 30 anos de idade.
Como já vimos anteriormente, eles nasceram por volta do ano 260 d.C. na Cilícia (atual Turquia) e foram executados por volta de 303 d.C., durante a grande perseguição do imperador romano Diocleciano. Isso sugere que tinham cerca de 40 a 43 anos no momento da morte — embora algumas tradições mais populares, especialmente no contexto da devoção afro-brasileira, os representem como crianças ou adolescentes, reforçando sua associação simbólica com a pureza, inocência e energia infantil.
Quanto a Doum, a situação é ainda mais incerta. Não há registros históricos confiáveis sobre sua existência. Doum aparece principalmente em tradições orais, especialmente nas religiões afro-brasileiras (como Umbanda e Candomblé), onde é venerado como o “terceiro irmão”, muitas vezes representado como uma criança pequena, com menos de 7 anos.
Na espiritualidade popular brasileira, Cosme, Damião e Doum são quase sempre imaginados como crianças santas, independentemente da idade histórica dos dois primeiros. Essa representação simbólica é mais importante do que os dados cronológicos, pois expressa sua função espiritual: protetores das crianças, curadores com o coração puro e mensageiros da alegria divina.
Portanto:
• Cosme e Damião: provavelmente morreram entre os 40 e 43 anos, segundo a cronologia histórica; mas são venerados como crianças na devoção popular.
• Doum: sem registro histórico, mas na tradição espiritual brasileira é visto como uma criança pequena, talvez com 3 a 7 anos.
Essa dualidade — entre a história e o símbolo espiritual — é justamente o que torna a devoção a Cosme, Damião e Doum tão rica, profunda e universal.
Que em 27 de setembro — e em todos os dias — você abra seu coração para a graça desses três meninos santos. E que, ao distribuir um doce, você receba em troca a mais preciosa das curas: a paz da alma.
Se este artigo tocou seu coração, compartilhe com alguém que precisa de proteção. Faça uma promessa. Ofereça um doce. Acenda uma vela. E lembre-se: os santos crianças estão sempre perto — basta chamar com fé e simplicidade.
Este artigo foi especialmente escrito, com respeito às tradições católicas, afro-brasileiras e espiritualistas.
Que a luz de Cosme, Damião e Doum ilumine seu caminho.
Swami Caetano
M∴I∴ e F R+C